Quando o mundo interno grita em silêncio
Às vezes, o corpo pesa, a mente pulsa e as emoções se atropelam. Há dias — ou fases inteiras — em que tudo parece ser “demais”: demais de pensamento, demais de cobrança, demais de sentimento, demais de dor. O nome que se dá pode variar: ansiedade, angústia, estresse, insônia, crises. Mas a sensação é uma só — a de um espaço interno lotado de vozes que não cessam.
Esse sentimento de sobrecarga, embora pareça um colapso, pode estar tentando contar algo. O que chamamos de excesso, muitas vezes, é uma linguagem. Um chamado sutil (ou não tão sutil assim) do inconsciente que insiste em não ser ignorado.
O excesso como linguagem do inconsciente
O que acontece quando algo se repete sem trégua dentro de nós? Quando há um pensamento que não sossega, um medo que não se cala, uma dor que insiste em retornar?
A tendência, em geral, é tentar conter, silenciar, resolver logo. Mas e se esse “demais” estiver dizendo algo que ainda não conseguimos escutar?
Na experiência clínica, é comum observar como o sintoma se torna uma forma de comunicação. Quando a palavra não encontra saída, o corpo fala. Quando a emoção não é nomeada, ela se transforma em tensão, irritação, compulsão, vazio.
O excesso, então, ganha forma: como o choro que vem sem aviso, o sono que desaparece, a compulsão que escapa do controle, ou a urgência por fazer tudo e nada ao mesmo tempo.
Por mais estranho que pareça, há um sentido ali. Nem sempre evidente, mas presente. Como se o inconsciente dissesse: “há algo em você que ainda não foi olhado.”
Escutar em vez de calar: a importância de acolher o excesso
Somos ensinados a buscar soluções rápidas. Mas na vida psíquica, os atalhos muitas vezes nos afastam da escuta necessária.
É natural querer que a dor passe logo. Mas aquilo que dói está pedindo um lugar. Um espaço para ser ouvido, nomeado, compreendido — antes de ser “resolvido”.
O que se repete, o que paralisa, o que sufoca — tudo isso carrega um significado. E mesmo que esse significado não venha de forma clara, ele pode ser investigado, escutado, simbolizado.
Escutar o que transborda é um ato de coragem. Porque exige disposição para olhar o que está por trás da superfície. Para reconhecer que há uma parte sua tentando ser reconhecida, não controlada.
E, aos poucos, quando o sintoma começa a ser escutado — e não apenas combatido —, ele tende a se transformar.
Descobrir-se além do que transborda
Não somos feitos só de dor, apesar de, em alguns momentos, parecer que sim. Por trás do excesso, há uma história. Há desejos sufocados, conflitos esquecidos, memórias encobertas.
No setting terapêutico, costumo fazer a analogia de como somos como um copo que vai se enchendo, aos poucos, de pequenas e grandes situações — responsabilidades, frustrações, emoções não ditas, demandas que se acumulam. E, então, basta uma gota a mais: um atraso, uma crítica, uma decepção aparentemente pequena… e transbordamos.
Esse transbordamento pode vir em forma de choro, irritação, angústia, ansiedade ou até mesmo paralisia. O que parecia ser “apenas” uma reação exagerada pode, na verdade, ser o reflexo de um copo que já estava cheio há muito tempo.
É por isso que pergunto “como está o seu copo hoje?” , isso pode ser um convite poderoso à escuta interna. A terapia, nesse contexto, se transforma em espaço de esvaziamento — não para eliminar o conteúdo, mas para dar forma àquilo que escorre sem nome. Falar, nesse sentido, é abrir espaço. É permitir que o que transborda possa ser olhado, simbolizado, compreendido.
E, nesse processo, muitas vezes descobrimos algo além do excesso: desejos que estavam silenciosos, histórias que ainda doem, necessidades esquecidas. Ao olhar para o que sai do copo, podemos, pouco a pouco, reconhecer o que o encheu.
O sentimento de sobrecarga como convite à transformação
Não se trata de romantizar o sofrimento, mas de compreendê-lo como um convite. Quando algo dentro de nós grita, mesmo em silêncio, pode ser sinal de que algo precisa mudar.
O sentimento de sobrecarga, quando escutado com cuidado, pode nos conduzir de volta ao que importa: nossos limites, nossos desejos, nossa verdade.
Nesse processo, a terapia — esse espaço de palavra e de escuta — pode ser um lugar possível para que esse transbordamento encontre contorno. Não para ser contido à força, mas para ser traduzido, ressignificado, reintegrado à vida psíquica.
Encerramento: O caminho de volta para si é feito de escuta e tempo
Nos dias em que tudo parecer demais, respire. Não há urgência em dar conta de tudo. Nem sempre é sobre controlar, mas sobre sustentar. E, muitas vezes, sobre permitir que aquilo que dói também revele o que ainda vive.
A vida psíquica não é linear. É feita de idas e voltas, de pausas e fluxos, de descobertas e reencontros. Mesmo quando tudo parece demais, existe dentro de você um movimento silencioso de vida. Um desejo de retorno. Um caminho de volta para si.
Você não precisa percorrê-lo sozinho(a).
E pergunte a si mesmo “Como está o meu copo hoje?”